Quando uma criança é diagnosticada com TDAH, a reação imediata dos pais, professores e outros profissionais muitas vezes é de preocupação. “Como vai prosperar na escola? Como vai acompanhar os colegas?” No entanto, e se estivermos a olhar para a situação com as lentes erradas? E se o verdadeiro “problema” não for a criança, mas sim o ambiente em que ela está inserida? Como sugerido por especialistas em educação e desenvolvimento infantil, muitas crianças diagnosticadas com TDAH não necessitam de ser “corrigidas”. Em vez disso, elas precisam de um ambiente mais adequado, onde possam realmente prosperar. Um ambiente prático e experimental poderia ser a chave para o seu sucesso.
” O TDAH não é uma doença mental, mas sim uma forma de expressão diferente.” – Jéssica Senhorinha, Own Your Education
Repensar o TDAH como uma diferença de aprendizagem
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é frequentemente apresentado como um transtorno do desenvolvimento neurológico, mas, em muitos casos, pode ser mais bem entendido como uma forma diferente de processar o mundo. Crianças com TDAH tendem a ser altamente criativas, imaginativas e curiosas. A sua energia e desejo de explorar o mundo ao seu redor são características valiosas. No entanto, as qualidades frequentemente rotuladas como “sintomas” do TDAH, como desatenção, impulsividade e hiperatividade, podem, na realidade, transformar-se em forças em ambientes educacionais que favorecem a experimentação e o envolvimento ativo.
A teoria de Piaget (1952) sobre o desenvolvimento cognitivo nos oferece um entendimento fundamental para lidar com essas crianças, pois ele defende que a aprendizagem é um processo ativo, no qual as crianças constroem o conhecimento à medida que interagem com o mundo. Isso sugere que, ao invés de procurar corrigir comportamentos, deve-se adaptar o ambiente de aprendizagem para que ele seja mais favorável ao desenvolvimento natural das crianças, incluindo aquelas com TDAH. Piaget acreditava que os educadores deveriam criar ambientes que estimulassem a exploração e a descoberta, princípios que se alinham diretamente com a necessidade de ambientes de aprendizagem dinâmicos e experimentais para as crianças com TDAH.
O problema não está na criança, mas no sistema educacional
As salas de aula tradicionais priorizam o comportamento passivo: sentar, seguir instruções e completar tarefas repetitivas. Para uma criança com TDAH, esse modelo de ensino pode parecer uma prisão. Essas crianças são, muitas vezes, mais sensíveis à falta de estímulos, o que torna a concentração uma tarefa difícil. Quando as suas necessidades não são atendidas, elas podem parecer inquietas ou incapazes de se concentrar. No entanto, o problema não reside na criança, mas na incompatibilidade entre o seu estilo de aprendizagem e os sistemas educacionais rígidos e tradicionais.
A pedagogia crítica de Paulo Freire (1996) oferece uma importante perspetiva sobre essa questão. Freire argumenta que a educação deve ser centrada no aluno, levando em consideração suas experiências e características únicas. Ele afirmava que o ensino tradicional, baseado na simples transmissão de conhecimento, não favorece a emancipação do aluno. Para ele, a educação deve ser um processo de “diálogo”, em que o aluno é um sujeito ativo na construção do seu conhecimento. Assim, ao invés de impor um modelo único de aprendizagem, as escolas devem adaptar-se às necessidades de cada estudante, incluindo aqueles com TDAH, oferecendo alternativas que favoreçam a participação ativa e o engajamento genuíno.
Por que as salas de aula tradicionais não funcionam
A estrutura das salas de aula tradicionais não está alinhada com as necessidades de muitas crianças com TDAH. Em vez de uma abordagem centrada no aluno, com atividades que permitam o movimento e a experimentação, essas salas de aula exigem que os estudantes se sentem quietos, sigam direções e trabalhem de maneira silenciosa. Para uma criança com TDAH, esse modelo é extremamente desafiador.
Como nos relembra José Pacheco (2012), “a escola não pode ser uma fábrica de saberes, onde todos são moldados para caber nas mesmas formas”. ´Pacheco propõe que a educação deve ser um processo de adaptação, em que os alunos se sintam valorizados na sua individualidade. Para crianças com TDAH, a adaptação do ambiente escolar é fundamental, pois a rigidez do sistema tradicional frequentemente não permite que expressem o seu potencial de maneira plena.
O poder do aprendizado prático e experimental
É aqui que o aprendizado prático e experimental se torna uma ferramenta fundamental. Ambientes de aprendizagem que envolvem as crianças de maneira ativa, através da construção, da experimentação e da criação, são transformadores. Estes ambientes oferecem uma série de vantagens para crianças com TDAH, como:
- Participação ativa: Em vez de serem passivas, as crianças podem participar ativamente no processo de aprendizagem, o que aumenta a sua motivação e o seu engajamento. Elas tornam-se protagonistas do seu próprio aprendizado.
- Feedback imediato: Projetos práticos oferecem resultados instantâneos, mantendo o interesse das crianças e permitindo que percebam rapidamente a eficácia dos seus esforços.
- Liberdade de movimento: Ambientes de aprendizagem práticos frequentemente permitem movimentos físicos, o que ajuda a canalizar a energia das crianças de maneira construtiva e produtiva.
- Conexão com o mundo real: O aprendizado prático permite que as crianças vejam como os conceitos acadêmicos se aplicam ao mundo real, facilitando a compreensão e tornando o processo de aprendizagem mais significativo.
O papel do PDI na inclusão de crianças com TDAH
O Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) é uma estratégia pedagógica fundamental para garantir a inclusão de crianças com TDAH no ambiente escolar. O PDI permite que os educadores personalizem o ensino de acordo com as necessidades específicas de cada aluno. Este plano pode incluir metas claras e ajustáveis, estratégias de apoio específicas e a criação de um ambiente de aprendizagem dinâmico. O PDI facilita a adaptação das estratégias de ensino, incorporando elementos práticos que atendem ao estilo de aprendizagem da criança, e promovendo a participação ativa e o engajamento.
O ensino doméstico e individualizado como Alternativa Educativa
Além das adaptações no ambiente escolar tradicional, uma alternativa válida para oferecer a crianças com TDAH o suporte necessário é o ensino doméstico ou ensino individualizado. Esses métodos proporcionam um ambiente ainda mais personalizado, no qual o aprendizado pode ser ajustado conforme as necessidades e o ritmo da criança, com o apoio adequado de profissionais e familiares. O ensino individualizado permite que a criança tenha a atenção total de um educador, o que favorece o desenvolvimento de habilidades fundamentais, como a concentração e a autorregulação emocional.
O Sucesso de Métodos Alternativos: Estudos de Caso e Práticas Pedagógicas Inovadoras
O aumento da conscientização sobre as necessidades educacionais das crianças com TDAH tem levado à busca por alternativas pedagógicas mais eficazes, que vão além dos métodos tradicionais de ensino. Diversos estudos de caso e práticas pedagógicas têm demonstrado que abordagens educacionais que priorizam o aprendizado baseado em projetos e a criação de espaços de aprendizado dinâmicos são particularmente eficazes para esse público. Esses modelos oferecem oportunidades de envolvimento ativo e criativo, fundamentais para o desenvolvimento das capacidades cognitivas, emocionais e sociais dessas crianças.
O aprendizado baseado em projetos (ABP), por exemplo, integra práticas de aprendizagem colaborativa e interativa, permitindo que as crianças se tornem protagonistas de sua própria educação. Ao envolver os alunos em projetos práticos e desafiadores, o ABP ajuda as crianças a se concentrarem em problemas reais e pertinentes, o que naturalmente alimenta sua curiosidade e o desejo de explorar. Ao contrário dos métodos tradicionais, que muitas vezes pedem que as crianças permaneçam sentadas e sigam instruções passivas, o ABP promove uma abordagem ativa e prática do conhecimento, essencial para crianças com TDAH. Segundo uma pesquisa de Thomas (2000), o ABP aumenta a motivação e a retenção de informações, pois coloca o aluno no centro do processo de aprendizagem, onde ele interage com o conteúdo e com seus colegas de forma mais engajada.
Além disso, em ambientes que adotam o ABP, os alunos têm a oportunidade de realizar atividades práticas, como a construção de protótipos, a resolução de problemas do mundo real ou a participação em pesquisas de campo. Essas experiências contribuem para o desenvolvimento de habilidades de resolução de problemas, colaboração e comunicação. Para crianças com TDAH, que frequentemente enfrentam dificuldades em tarefas monótonas ou isoladas, a aprendizagem ativa e baseada na resolução de problemas oferece um contexto que favorece o foco e a atenção. O engajamento com questões práticas e com a realidade do mundo externo tem o poder de tornar o aprendizado mais significativo e menos desafiador.
Outro modelo pedagógico inovador que tem mostrado resultados positivos para crianças com TDAH é a criação de espaços educativos dinâmicos, como os ambientes STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e os espaços makers. Estes espaços proporcionam oportunidades para as crianças experimentarem, explorarem e desenvolverem soluções criativas e práticas, com uma ênfase particular na aprendizagem prática. Um estudo realizado por Silverman et al. (2014) demonstrou que crianças com TDAH prosperam em ambientes STEM, onde podem trabalhar em tarefas práticas, resolver problemas e, ao mesmo tempo, se beneficiar de uma variedade de estímulos sensoriais que favorecem a concentração. Para essas crianças, a falta de estrutura rígida e a introdução de liberdade criativa são fundamentais para que possam expressar suas ideias e potencializar suas habilidades.
A combinação de abordagens como o ABP e os espaços criativos também oferece um contexto ideal para o desenvolvimento social e emocional das crianças com TDAH. Tais ambientes favorecem a interação social e a cooperação, essenciais para o aprimoramento das habilidades interpessoais.
Em vez de um sistema educacional que pune comportamentos impulsivos, os espaços colaborativos permitem que as crianças se envolvam em atividades de grupo, em que cada membro é incentivado a contribuir com suas ideias e habilidades únicas. Essas interações contribuem para o fortalecimento da autoestima e a construção de relações sociais positivas, dois aspetos frequentemente desafiadores para crianças com TDAH, que podem enfrentar dificuldades com comportamentos impulsivos ou falta de controle emocional.
Ainda mais relevante é a observação de que essas práticas pedagógicas não se limitam apenas a um impacto cognitivo, mas também social e emocional. Crianças com TDAH, frequentemente rotuladas como “difíceis” ou “inquietas”, podem florescer em ambientes que promovem a experimentação, a criação e a colaboração. Como mencionado por Ginsburg (2007), crianças com TDAH necessitam de um ambiente que as ajude a canalizar sua energia de maneira produtiva e estruturada, ao mesmo tempo em que as incentiva a serem independentes e autônomas. O aprendizado baseado em projetos e os espaços de criação, ao envolverem as crianças ativamente, oferecem exatamente essa combinação de estrutura e liberdade.
Conclusão: A Inclusão Através de Práticas Pedagógicas Inovadoras
O reconhecimento de que o TDAH é uma diferença de aprendizagem, e não um distúrbio a ser corrigido, exige uma reavaliação dos métodos educacionais convencionais. Métodos alternativos, como o aprendizado baseado em projetos e os espaços de criação, têm demonstrado ser não apenas eficazes, mas essenciais para o sucesso educacional de crianças com TDAH. Ao permitir que as crianças com TDAH participem ativamente em processos de aprendizagem que respeitam seus ritmos e necessidades, essas abordagens ajudam a desbloquear seu potencial cognitivo, social e emocional.
Esses métodos não só atendem às necessidades das crianças com TDAH, mas também criam um ambiente educacional mais inclusivo, no qual todos os alunos têm a oportunidade de se engajar de maneira profunda e significativa. A adoção de práticas pedagógicas que favoreçam a criatividade, a colaboração e a experimentação pode transformar a educação, não apenas para as crianças com TDAH, mas para todos os estudantes, proporcionando um ambiente de aprendizagem mais dinâmico, envolvente e eficaz.
Bibliografia
- Barkley, R. A. (2015). Attention-deficit hyperactivity disorder: A handbook for diagnosis and treatment. Guilford Press.
- Freire, P. (1996). Pedagogia do oprimido. Paz e Terra.
- Ginsburg, K. R. (2007). The importance of play in promoting healthy child development and maintaining strong parent-child bonds. Pediatrics, 119(1), 182-191.
- Lillard, A. S. (2017). Montessori: The science behind the genius. Oxford University Press.
- Piaget, J. (1952). The origins of intelligence in children. International Universities Press.
- Pacheco, J. (2012). A educação que é possível. Porto Editora.
- Ratey, J. J. (2008). Driven to distraction: Recognizing and coping with attention deficit disorder from childhood through adulthood. Simon and Schuster.
- Silverman, L. K., et al. (2014). “The Relationship Between ADHD and Giftedness.” Journal of Advanced Academics, 25(4), 277-298.
- Thomas, J. W. (2000). A review of research on project-based learning. The Autodesk Foundation.